segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Vende-se

   
um exemplo na Rua da Cruz (Raquel Pinheiro)


Uns meses de recolhimento doméstico, de roda com doenças familiares várias, confinam-nos à nossa área de residência e a viagens entre hospitais e centros de saúde.
Deixam pouco tempo para nos debruçarmos sobre um projecto ou uma situação em particular, que exija atenção redobrada aos detalhes. Permitem, no entanto, ficar-se a conhecer melhor a zona onde se vive e os seus arredores e ter uma panorâmica geral de boas áreas do Porto.
Há recantos lindíssimos nesta cidade, e as Antas, o sítio onde moro, não são excepção. Das escondidas pequenas ruelas e vielas campestres do lado direito, de quem desce, a Alameda do Dragão, à Subestação Eléctrica das Antas, passando pelas muitas moradias apalaçadas das avenidas dos Combatentes e Fernão de Magalhães, aos muitos prédios de conceituados arquitectos.
Muita desta beleza está abandonada. Completamente ao deus-dará. Também o está uma quantidade generosa de fealdade ou banalidade dos inúmeros e anódinos prédios construídos nas últimas 3 ou 4 décadas.
A cada dia que se vai tratar de pequenos recados ou dar uma volta a pé, lá nos deparamos com mais e mais andares, casas, quintas, com letreiros a dizer “Vende-se”. Aqui e ali aparecem uns “Arrenda-se”, mas os primeiros ganham por larga maioria.
Em alturas onde o tempo permite mais elasticidade, estende-se o passeio a pé até Campanhã ou Arca d’Água. O cenário é mesmo. Fachadas esmorecidas, áreas com ar de terra de ninguém, letreiros de venda ou arrendamento.
Se de carro é preciso atravessar a cidade para se ir a uma qualquer unidade de saúde, vai-se espreitando pela janela. E lá se deparam os olhos com mais casas fechadas, estragadas, andares e prédios à venda ou para arrendar. Da Foz à Baixa, e de novo até às Antas, sempre o mesmo padrão: uma cidade cada vez mais despida de habitantes e com mais habitações disponíveis no mercado ou simplesmente fechadas.
Apesar disso, não param de aparecer novas edificações. A foto que ilustra esta crónica é um bom exemplo deste estranho paradoxo: não há gente, património em ruínas não falta, habitações para comprar ou arrendar também existem de sobeja, e, mesmo assim, lá vem mais um prédio novinho em folha. Prédio novinho em folha que, invariavelmente acaba semi-vazio ou vazio, ou, em breve, pejado de letreiros de “Vende-se”, que os “Arrenda-se” costumam ser escassos neste tipo de construção.
Se me perguntarem para quem são todos estes prédios, cheios de apartamentos moderníssimos, não sei. Os dados dos Censos deste ano dizem que somos só 237.559. Menos 25.572 do que há 10 anos. O saldo entre aqueles que, como eu, regressam à cidade, os que para cá vêm morar pela primeira vez, e os que a abandonam, é negativo.
Por vezes, tememos que acabemos assim, em ruínas, como as de Detroit, a outrora pujante e rica Motor City, esplendorosamente fotografadas por Yves Marchand e Romain Meffre. Afinal, à venda e despovoado já o Porto está. Só lhe falta começar a desmoronar-se por completo.

(Publicado na secção Opinião Porto24 a 18 de Setembro de 2011)