segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Os Clash e o Centro Histórico

5 de Dezembro 2011, 15º Aniversário do Porto Património Mundial da UNESCO


Porto Escondido








A primeira vez que, sozinha, me embrenhei no centro histórico do Porto foi por causa da música. Para as bandas da Rua dos Pelames havia umas lojas que vendia roupas militares, vestimentas necessárias a alguém que queria um arzinho de membro dos Clash. Das ditas lojecas vieram, entre outros, um casaco de magala, uma boina vermelho grená, um saco de lona grossa, verde tropa, de colocar ao ombro, e o gosto de deambular pelas ruelas da Sé.
Foi a música quem, durante mais uns anos, me continuou a levar ao centro histórico. Fossem os concertos no Solar da Cruz Vermelha, para as bandas de Miragaia, ou no Luís Armastrondo e as idas ao Aniki-Bobó e ao Mercedes, na Ribeira, a parte antiga da cidade fazia parte do meu percurso semanal nocturno.
Para a luz do dia ia ficando reservados alguns passeios por escadarias íngremes, vielas apertadas, zonas pouco convidativas. Miragaia, Vitória, São Nicolau e Sé eram um mundo totalmente diferente do meu. Um mundo fascinante, estranho, “perigoso”, antigo.
O centro histórico nunca foi um local isento de problemas. Se, em meados e finais dos anos 80, ainda respirava vida, quando, uns anos mais tarde, me mudei para Lisboa, já a desertificação se havia instalado e alastrado.
Atribuída, há 15 anos, a certificação de Património Cultural da Humanidade ao centro histórico do Porto pensei: “Pronto, as coisas vão melhorar. Vai ser possível reabilitar, manter, preservar o que é genuíno, acrescentando-lhe as necessárias melhorias”.
Acho que estava enganada. Regressada ao Porto encontrei o cento histórico ainda pior do que quando me fui. Há uns meses, a SWark, uma empresa de arquitectura ligada a recuperação do património imobiliário do centro histórico, organizou um almoço no Largo Duque da Ribeira. A ideia? Juntar moradores antigos, novos moradores/possíveis novos moradores e vários interessados na cidade, para, informalmente, se discutir os problemas e necessidades daquela zona.
A conclusão foi que, do muito para fazer, pouco foi feito. Os problemas dos moradores mais antigos e idosos estão longe de se encontrar mitigados ou compreendidos. Muitos residentes foram, ao longo dos anos, transferidos para bairros sociais onde se sentem totalmente desenraizados, longe dos vizinhos (e estes deles) de sempre e do espaço que conheciam desde meninos. Não faltam casas a cair, a droga continua um flagelo (o naquele dia limpo e bem posto Largo Duque da Ribeira é um ponto quente de venda e consuma de droga). Há mais turistas, mas a vida, ali, continua difícil.
Todos, os antigos moradores, os novos moradores, os que querem ser moradores, quem sente pelo Porto e pelo seu centro histórico afecto e carinho, gostavam de ver a área classificada bem tratada, recuperada mas sem ser sofrer, ainda mais, de gentrificação.
Retirar ao Porto antigo os seus habitantes tradicionais, recuperar tudo muito direitinho mas sem alma é matar o já pouco vivo, mas belíssimo, centro histórico do Porto. E, assim, não haverá certificação da Unesco que nos salve. Não que a que temos de muito nos tenha servido, tal é o desleixo e a falta de sensibilidade de quem por ela devia zelar.
Mas, para quem o quiser visitar, ali está ele, mesmo mal tratado, o antigo e ímpar Porto Escondido.

(Publicado na secção Opinião Porto24 a 5 de Dezembro de 2011)