Em maior ou menor grau, quase todos nós temos o desejo de deixar a nossa marca no mundo. Não espanta, por isso, que quem assume cargos públicos, é criador ou possui uma empresa, queira ver o seu nome, e obra, perdurar. É até, diria, legítimo e normal assim ser.
Levada ao extremo, a mistura de mostrar trabalho feito, de preferência grandioso e muito visível, fazer dinheiro em grande quantidade e o mais rapidamente possível, alardear a nossa inimitável assinatura, levam, bastas vezes, à desordem e atropelos urbanísticos que nos rodeiam.
Um passeio pela marginal do Porto, ao longo do rio, espreitando Gaia e, na orla marítima, vislumbrando Matosinhos oferece uma boa panorâmica da confusão e do fervor construtivo vigente das últimas décadas. Descer, ou subir, a Avenida da Boavista pode ser outra hipótese de estudo. Ou, então, andar ao calhas pela cidade e pelos municípios adjacentes.
A conclusão de tais exercícios é sempre a mesma: a identidade da urbe parece, em muitos sítios, ter sida esquecida e o tempo concedido a pensar globalmente a cidade, no curto, médio e longo prazo, pouco. A opção por construir de raiz em vez de reutilizar e remodelar, fez nascer inúmeros blocos de apartamentos, escritórios, hotéis, centros comerciais. Por vezes mesmo ao lado de fiadas de velhas edificações agonizantes. Sendo quase, senão totalmente, inexequível demolir tudo o que está a mais, tem volumetria em excesso (ou em falta), foi erguido no local ou com o enquadramento errado.
Que resta?
Parar o que ainda pode ser parado, não arrancar com determinadas obras – o novo centro de congressos do Palácio de Cristal está nessa categoria. Ao contrário do edifício da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, perfeitamente adaptado ao espaço em que se encontra, a nova construção choca com o que a rodeia –, limitar, onde possível, os estragos no já existente. Se fosse possível tirar tempo para ponderar, olhar a cidade com afecto, tentar obter um modo de interligar e harmonizar, sem descaracterizar, as várias malhas urbanas do Porto e em seu redor.
Querer-se deixar o nosso nome ligado a uma cidade, a uma obra, a um sonho nada tem de errado. Romper com os cânones vigentes e ser-se visionário também não é defeito. Se fosse, não teríamos Serralves, na forma que a conhecemos, nascida da vontade e do desejo de Carlos Alberto Cabral, 2º Conde de Vizela, de transformar várias quintas numa casa modernista com parque a condizer, como um dos símbolos culturais mais prestigiantes da cidade.
Comprada em 1957 por Delfim Ferreira, Conde de Riba d’Ave, a propriedade foi vendida ao Estado, pelos herdeiros de Ferreira, em 1986. Doze anos volvidos e dentro de Serralves, é inaugurado o Museu, de autoria de Siza Vieira. Duas construções separadas totalmente distintas, Casa e Museu, entrosam-se perfeitamente nos jardins e parque.
Um exemplo mais extremo de sonho construtivo e vontade de deixar legado, trata-se de uma vila inteira, é Poundbury, no Ducado da Cornualha. Pertença de Carlos, o Príncipe de Gales, o Ducado tem vindo a colocar em prática diversos planos de crescimento sustentado e agricultura biológicas, dos quais Pondbury é o corolário. Tudo, aí, é construído sob regras severas tendo em visto o manter de um estilo tradicional de vila campestre. Demasiado artificial, deliberadamente espartilhado e muito uniforme? Talvez. Um nem tanto ao mar nem tanto à terra servir-nos-ia perfeitamente.
(Publicado na secção Opinião Porto24 a 16 de Junho de 2011)
sábado, 18 de junho de 2011
quarta-feira, 1 de junho de 2011
A Quinta, o Mercado e a Fábrica
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Quinta Amarela - Mercado do Bom Sucesso (Raquel Pinheiro) |
Não é possível, nem desejável, manter imaculado e inalterado, tudo o que ao passado pertence. Mas é viável converter, adaptar, e onde justificável, preservar edifícios e terrenos com a função original.
Quinta Amarela (Casa dos Cepedas), Mercado do Bom Sucesso, Fábrica de Esmaltagem de Mário Navega. Três edificações diferentes, de períodos e funções distintos, todas à mercê da falta de senso comum, e do não entendimento da cidade como um todo.
Datada do século XVIII, a Quinta Amarela, situada na Avenida dos Combatentes, é uma dessas quintas-solares que povoaram os arredores e zonas limítrofes do Porto que, com o crescer da urbe, acabaram a fazer parte desta. Primeiro semi-abandonada, depois completamente ao deus-dará, está a ser transformada em condomínio de luxo. Até aqui, excepto o não nos faltarem condomínios do género, nada de mal. As Antas são uma zona chique e cara, a propriedade é (era) magnífica. Idílica, mesmo.
Onde as coisas começam a entortar é no tipo de transformação que está a ser feita. O frondoso parque, que rodeava as várias casas da herdade, quase desapareceu. Acrescentam-se, junto ao muro da rua de Bartolomeu Dias, construções em vidro e betão, desajustadas do conjunto. Paredes derrubadas e reconstruídas com tijolo em vez de pedra, janelas e fachadas retocadas com cimento e tijolo.
Um empreendimento de luxo, ainda para mais um instalado num local destes, deveria ser isso mesmo: luxo. Manutenção da vegetação existente – que permitia sossego e reclusão –, recuperação dos interiores e exteriores com matérias nobres, fazer jus à nobreza da quinta teria sido a opção adequada.
“Às cinco horas da tarde” deveria ter fechado o Mercado do Bom Sucesso. Porquê? Porque, em vez de “apenas” se reabilitar um mercado de frescos, ali dentro iam ser construídos um hotel e escritórios. A providência cautelar chegada esta terça-feira, já a hora de fecho oficial tinha passado, permite que o mercado continue aberto.
Em que condições e com quantos vendedores? Terça-feira, a demolição de lojas e bancas, em particular na galeria do primeiro andar, já era bastante grande. Há quem tenha, ao fim de várias décadas, dado por encerrado o seu negócio no local. As paredes, os tectos, os vidros precisam, urgentemente, de ser reparados.
Inaugurado em 1952, o Bom Sucesso foi, nos últimos anos, decaindo, perdendo a frescura de outrora. Mesmo assim, é preferível investir na sua recuperação, mantendo-lhe a função, do que o transformar em mais um hotel e escritórios. Precisa de ser arranjado, modernizado sem desvirtuar, promovido.
Em pior estado do que o Bom Sucesso tem estado, desde o seu encerramento, em 1984, a Fábrica de Esmaltagem de Mário Navega, na rua do Freixo. Agora em demolição, andou 27 anos ao sabor dos elementos, degradando-se progressivamente.
Com tanta construção edificada nas últimas décadas e tanto património abandonado, não teria sido melhor, em muitos casos, em vez de fazer novo, reabilitar o velho? Mas reabilitar e recuperar bem, com qualidade, mantendo um ponto de contacto entre a história e o presente.
Vários exemplos, em funcionamento, de recuperações e ocupações, de tipos diferentes, sem desprestígio para o antes: Artes em Partes (lojas), Breyner 85 (associação cultural, sala de concertos, café), Edifício Douro’s Place (condomínio de luxo), Palacete Pinto Leite (antigo Conservatório, onde tem lugar festas de marcas várias e exposições), Rés (livraria), Sukiya (restaurante, casa de chá).
(Publicado na secção Opinião Porto24 a 1 de Junho de 2011)
Mercado do Bom Sucesso - 31 de Maio de 2011
O Mercado do Bom Sucesso foi projectado em 1949 por Fortunato Leal, Cunha Leão e Morais Soares e inaugurado em 1952. Foi considerado edifício classificado, pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), a 25 de Janeiro de 2011.
O fecho do mercado esteve agendado para dia 25 de Maio, posteriormente adiado para ontem, dia 31. Já depois da hora oficial de encerramento, 17 horas, a providência cautelar, interposta por dez dos comerciantes, foi aceite pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. O Mercado do Bom Sucesso reabriu hoje, depois daquele que seria o seu último dia, mas muitos comerciantes não regressaram.
O fecho do mercado esteve agendado para dia 25 de Maio, posteriormente adiado para ontem, dia 31. Já depois da hora oficial de encerramento, 17 horas, a providência cautelar, interposta por dez dos comerciantes, foi aceite pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. O Mercado do Bom Sucesso reabriu hoje, depois daquele que seria o seu último dia, mas muitos comerciantes não regressaram.
Esplanadas Toldadas
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Esplanadas Praça Parada Leitão (Arquivo Porto24) |
A demora na conclusão das obras e o desagrado pelo projecto arquitectónico foram os primeiros factores de controvérsia. Inauguradas, em Abril de 2010, continuaram envoltas em tormentas. Às críticas ao projecto somava-se a ilegalidade.
Como se abrem esplanadas ilegais? Emitindo a Câmara Municipal do Porto (CMP) a necessária licença municipal mas achando não ser, nesta matéria, preciso consultar o Instituto de Gestão de Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR). Para os comerciantes tudo estava, então, em ordem. O dinheiro gasto na obra 250 mil euros, tinha-lhes trazido estruturas em metal e vidro, que esperavam fossem para durar.
Só que, segundo o IGESPAR, as esplanadas não cumpriam a lei. Reuniões várias, na CMP e com o IGESPAR de nada serviram. O instituto manteve-se inflexível: as esplanadas não cumprem a lei e são para demolir. O parecer definitivo, negativo, veio da Direcção Regional de Cultura do Norte (DRC-N) em Setembro de 2010.
Passado mais de meio ano da decisão da DRC-N as esplanadas a demolir continuavam de pé, e ainda não havia nova solução para o problema.
Este mês a DRC-N deu parecer “informal” favorável a uma nova solução: toldos e pavimento nivelado de madeira. Diz a DRC-N que “a proposta aceite contempla a instalação de elementos mais usuais em esplanadas, como toldos de sombreamento e um pavimento de madeira nivelado”. Mas ainda falta um novo pedido de licenciamento à CMP. Só depois deste emitirá a DRC-N um parecer “formal”.
Confusos? Eu também. Voltemos à casa partida e recomecemos. Antes de qualquer coisa ser construída existe um projecto dessa mesma coisa. Bastava o mesmo, manifestamente inadequado ao espaço a que se destinava, não ter sido aprovado e nada disto teria acontecido.
Porque é o projecto desajustado do local onde se insere? Os tipos de materiais, a volumetria, a área de ocupação do espaço público, o enquadramento no todo, estão desajustados. Ali, o que pede é desafogo, leveza, harmonia. Que se deixe respirar os edifícios, que o olhar de quem estiver frente à igreja do Carmo ou à dos Carmelitas não fique sufocado. Ou seja, que as esplanadas, estando lá, passem o mais desapercebidas possível.
Eduardo Souto de Moura disse, a semana passada, a propósito do projecto de remodelação do interior do Mercado do Bom Sucesso que o dito estava “aos berros“. O projecto que foi erigido em Parada Leitão é mais como as Tulipas do poema de Sylvia Plath, magoa (o olhar) e consome todo o ar existente.
Bastava um bocadinho de bom senso. Pensar que, por vezes, a simplicidade, o mais usual num determinado contexto é o mais adequado. Ou seja, ter-se, logo de início, avançando com os tais “elementos mais usuais em esplanadas…”. Poupava-se tempo, recursos, e evitava-se ter o espaço público ocupado por algo que lhe é desadequado.
Agora, voltarão as obras. De desmantelamento e, depois, se segundo licenciamento da CMP for avante e a decisão “formal” se concretizar, de reconstrução das esplanadas. Quando estará tudo pronto e nos conformes? Ninguém sabe. Espera-se, como se tinha feito antes, que rapidamente.
Esta segunda-feira, disse Rui Rio, o presidente da CMP, na apresentação do novo portal do Turismo do Porto ser o turismo “aquilo a que podemos já deitar a mão para ajudar o país“. Também é aquilo a que podemos deitar, de imediato, a mão para ajudar o Porto. Mas convinha evitar repetir este tipo de situações. É mau para quem cá vive, para quem vem de visita, para a imagem da cidade, para o erário municipal e para os comerciantes.
(Publicado na secção Opinião Porto24, a 24 de Maio de 2011)
Uma Pequena Cidade
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Telhados e Douro (Raquel Pinheiro) |
Aceitemos, na grande ordem das coisas, que o Porto é uma pequena cidade. 41 km2, 216 mil habitantes. Nunca seremos Tóquio, Nova Iorque, Londres ou a Cidade do México. Nem sequer Lisboa. E ainda bem.
Porquê? As grandes cidades são, e serão cada vez mais, sobrehabitadas, barulhentas, aceleradas, fatigantes. Algumas delas, em breve, devido ao elevadíssimo custo de vida, ficarão para os muito ricos, inacessíveis, ou quase, para a maioria de nós. Outras lutarão com dificuldades crescentes de abastecimento de água, poluição, falta de segurança.
Terão a seu favor o poderio económico, a capacidade de se imporem como líderes mundiais. E então, e nós, onde ficamos? Que fazemos? Aproveitamos, a nosso favor, o facto de termos uma pequena cidade.
Em vez de vermos isso como um problema ou obstáculo, valorizemo-lo. Em vez de gastarmos energia a tentarmos ser como as megapólis e em competições descabidas, abracemos calorosamente a nossa pequena dimensão. O Porto tem tudo para se tornar uma cidade com uma qualidade de vida invejável.
Sofremos de várias maleitas, é certo. Uma delas é não conseguirmos arranjar uma unidade identificativa a partir da qual possamos começar a trabalhar. Perdemos tempo em tricas com Lisboa ou entre grupinhos locais, que em nada servem o todo. A pormos os olhos nos outros, coloquemo-los no que fazem bem. Ler a entrevista de António Costa, o presidente da Câmara de Lisboa, à revista do Montepio deste trimestre pode dar-nos uma ajuda (ler em PDF).
Costa tem um discurso actual, integrativo do passado, presente e futuro da cidade que dirige. De Lisboa diz ser “uma cidade com história, cosmopolita e multicultural, onde o antigo e o moderno coexistem de forma singular”.
E o Porto, que imagem deve fazer passar? Em torno de quê se deve concentrar? Cidade pequena, romântica, antiga, calma, aprazível, onde criatividade e novas tecnologias convivem com vários séculos de história não parece má publicidade. A de uma cidade de grande qualidade de vida, preços módicos, amiga das famílias, aberta a todos, não esquecida dos que aqui vivem há décadas.
Conseguidas as linhas de orientação, há que, como escreveu Nuno Grande neste espaço, ter um “projecto de cidade”. Recuperar e tratar com respeito o património material e imaterial, as pessoas. Juntar o novo onde for necessário e não por ser projecto de um arquitecto conceituado ou, simplesmente, por ser novidade e se fazer “em todo o lado”.
E também não nos esquecermos que a cidade não se confina à baixa ou ao centro histórico. Das Antas a Francos, o Porto tem muito para oferecer. E para ser reorganizado. Mas o centro histórico é a nossa musa, determinante para a nossa identidade e merece ser mais bem tratado. Afinal, como me dizia um amigo no Facebook, a propósito da foto que ilustra esta crónica: “Eis os verdadeiros jardins suspensos da Babilónia”.
Querem melhor chamariz para o Porto do que a cidade dos jardins suspensos da Babilónia? A mim, juntando-lhes a serenidade de pequena cidade com todas as comodidades modernas parece-me bem. Mesmo muito bem.
(Publicado na secção Opinião Porto24, a 18 de Maio de 2011)
As Antas
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Rua Diogo Cão |
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Rua Diogo Cão |
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Rua Diogo Cão |
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Rua Diogo Cão |
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Rua de la Couture |
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Rua Diogo Cão |
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Rua de Silva Tapada |
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Rua do Estrela e Vigorosa Sport |
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Rua de Silva Tapada |
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Rua Diogo Cão |
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Rua César das Neves |
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Avenida dos Combatentes |
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Rua de Agostinho de Campos, Gruta da Quinta Amarela |
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Rua César das Neves |
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Rua de Silva Tapada |
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Rua de Silva Tapada |
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Rua de Silva Tapada, esquina com Rua Diogo Cão |
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Rua de Silva Tapada |
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Rua Oliveira Monteiro |
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Rua de Silva Tapada |
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Rua Oliveira Monteiro |
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Rua César das Neves |
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Rua César das Neves |
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Rua de Silva Tapada |
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Rua de Silva Tapada |
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