quarta-feira, 1 de junho de 2011

A Quinta, o Mercado e a Fábrica

Quinta Amarela - Mercado do Bom Sucesso (Raquel Pinheiro)
É um Porto operário e semi-rural o invocado pelo título desta crónica. Um Porto vindo do século XIX que perdurou, activo, por boa parte do século XX. Agora, as memórias de trabalhadores fabris, vendedeiras e lavradores vão-se esfumando, engolidas no ritmo da cidade actual.
Não é possível, nem desejável, manter imaculado e inalterado, tudo o que ao passado pertence. Mas é viável converter, adaptar, e onde justificável, preservar edifícios e terrenos com a função original.
Quinta Amarela (Casa dos Cepedas), Mercado do Bom Sucesso, Fábrica de Esmaltagem de Mário Navega. Três edificações diferentes, de períodos e funções distintos, todas à mercê da falta de senso comum, e do não entendimento da cidade como um todo.
Datada do século XVIII, a Quinta Amarela, situada na Avenida dos Combatentes, é uma dessas quintas-solares que povoaram os arredores e zonas limítrofes do Porto que, com o crescer da urbe, acabaram a fazer parte desta. Primeiro semi-abandonada, depois completamente ao deus-dará, está a ser transformada em condomínio de luxo. Até aqui, excepto o não nos faltarem condomínios do género, nada de mal. As Antas são uma zona chique e cara, a propriedade é (era) magnífica. Idílica, mesmo.
Onde as coisas começam a entortar é no tipo de transformação que está a ser feita. O frondoso parque, que rodeava as várias casas da herdade, quase desapareceu. Acrescentam-se, junto ao muro da rua de Bartolomeu Dias, construções em vidro e betão, desajustadas do conjunto. Paredes derrubadas e reconstruídas com tijolo em vez de pedra, janelas e fachadas retocadas com cimento e tijolo.
Um empreendimento de luxo, ainda para mais um instalado num local destes, deveria ser isso mesmo: luxo. Manutenção da vegetação existente – que permitia sossego e reclusão –, recuperação dos interiores e exteriores com matérias nobres, fazer jus à nobreza da quinta teria sido a opção adequada.
“Às cinco horas da tarde” deveria ter fechado o Mercado do Bom Sucesso. Porquê? Porque, em vez de “apenas” se reabilitar um mercado de frescos, ali dentro iam ser construídos um hotel e escritórios. A providência cautelar chegada esta terça-feira, já a hora de fecho oficial tinha passado, permite que o mercado continue aberto.
Em que condições e com quantos vendedores? Terça-feira, a demolição de lojas e bancas, em particular na galeria do primeiro andar, já era bastante grande. Há quem tenha, ao fim de várias décadas, dado por encerrado o seu negócio no local. As paredes, os tectos, os vidros precisam, urgentemente, de ser reparados.
Inaugurado em 1952, o Bom Sucesso foi, nos últimos anos, decaindo, perdendo a frescura de outrora. Mesmo assim, é preferível investir na sua recuperação, mantendo-lhe a função, do que o transformar em mais um hotel e escritórios. Precisa de ser arranjado, modernizado sem desvirtuar, promovido.
Em pior estado do que o Bom Sucesso tem estado, desde o seu encerramento, em 1984, a Fábrica de Esmaltagem de Mário Navega, na rua do Freixo. Agora em demolição, andou 27 anos ao sabor dos elementos, degradando-se progressivamente.
Com tanta construção edificada nas últimas décadas e tanto património abandonado, não teria sido melhor, em muitos casos, em vez de fazer novo, reabilitar o velho? Mas reabilitar e recuperar bem, com qualidade, mantendo um ponto de contacto entre a história e o presente.
Vários exemplos, em funcionamento, de recuperações e ocupações, de tipos diferentes, sem desprestígio para o antes: Artes em Partes (lojas), Breyner 85 (associação cultural, sala de concertos, café), Edifício Douro’s Place (condomínio de luxo), Palacete Pinto Leite (antigo Conservatório, onde tem lugar festas de marcas várias e exposições), Rés (livraria), Sukiya (restaurante, casa de chá).

(Publicado na secção Opinião Porto24 a 1 de Junho de 2011)